quarta-feira, 14 de maio de 2008

Ministra do Meio Ambiente se demite...

Marina tem ministério esvaziado e se demite
14/5/2008 - Jornal Valor Econômico - Brasil
São Paulo - SP

Uma dos sete remanescentes do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) pediu demissão ontem, agastada com o isolamento ao qual foi submetida no governo, com a entrega da coordenação do Plano Amazônia Sustentável (PAS) ao filósofo Mangabeira Unger, ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos. Marina será substituída pelo geógrafo Carlos Minc, secretário do Ambiente do Rio, muito embora o Palácio do Planalto, à noite, ainda aventasse a hipótese de chamar o ex-governador do Acre, terra da ministra, Jorge Viana.

Prestígio internacional era o que mantinha Marina Silva no governo, no qual ela travou - e quase sempre perdeu - sucessivos embates. A ministra tinha consciência dessa condição simbólica, mas achava que ela também já estava se desfazendo. "Eu sou internacionalmente a cara da questão ambiental no Brasil", desabafou recentemente a ministra a um amigo. "Mas essa cara já está desfigurada", completou, frustrada com as seguidas derrotas. Na carta de demissão, Marina expressou publicamente o sentimento de desgaste. "As difíceis tarefas que o governo ainda tem pela frente sinalizam que é necessária a reconstrução da sustentação política para a agenda ambiental", escreveu a ministra.

A frase resume com exatidão o estado de espírito de Marina Silva nos últimos dias. O desgaste de Marina se processa desde o primeiro mandato, mas a gota d´água para a ministra transbordou na semana passada, no lançamento do PAS. O presidente Lula chamou Marina de "mãe do PAS", assim como chamara Dilma Rousseff (Casa Civil) de "mãe do PAC". Mas ao contrário de Dilma, que tem efetivo controle sobre a execução do PAC, Marina só naquele momento ficou sabendo que Mangabeira Unger, com o qual a ministra teria divergências "insuperáveis", segundo auxiliares, iria coordenar o programa para a Amazônia. O PAS teve seu lançamento antecipado em quase um mês, e Marina o considera uma ação fundamental para barrar o aumento do desmate.

No mesmo dia em que a ministra pediu demissão, a Câmara dos Deputados aprovou a medida provisória que aumenta de 500 hectares para até 1,5 mil hectares a área que pode ser cedida pela União, sem licitação, para o uso rural na Amazônia Legal.

Embora tivesse alternativa para o lugar de Marina já há algum tempo, Lula ficou aborrecido com a forma como se deu a demissão da ministra, militante histórica do PT, pela qual sempre manifestou carinho especial. Ele esteve com elas duas vezes nos últimos dias, mas a ministra não deu sinal do que iria fazer. Marina enviou a carta de demissão no final da manhã de ontem, mas antes que o presidente tratasse do assunto ela confirmaria que estava demissionária a algumas pessoas. Seu suplente no Senado - cujo lugar Marina deve voltar a ocupar -, Sibá Machado (AC), por exemplo, foi informado por ela por volta das 13h. A expectativa no governo era de que o secretário-executivo do ministério João Paulo Capobianco, acompanharia a ministra em seu pedido de demissão.

A saída de Marina deu-se em um momento politicamente delicado para o governo brasileiro, quando políticas de etanol e biocombustível - especialmente os programas brasileiros, prioritários, na visão de Lula -, são questionadas em organismos internacionais como responsáveis pela crise do aumento do preço dos alimentos em todo o mundo. Alegação que Lula contesta com veemência.

Lula temia a reação internacional dos ambientalistas à saída de Marina, mas já dispunha de alternativas no colete. O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, foi o primeiro a chamar a atenção do presidente para o deputado estadual Carlos Minc (PT), seu secretário do Ambiente, que se declara "socialista libertário" e é visto como um xiita ambiental. Lula não disse nada, mas passou a observar as ações de Minc. O secretário ganhou pontos no Planalto ao liberar rapidamente todas as licenças ambientais de obras previstas no PAC para o Rio de Janeiro. O mesmo ocorreu em relação a uma obra da Petrobras em Itaborai (RJ). Quem falou com Minc ontem foi o governador Cabral - quando Lula ia telefonar, o secretário estava a bordo de um avião com destino a Paris. Enquanto Minc voava, a bancada acreana articulava politicamente para tentar manter o cargo.

Entre outras coisas, o que mais agastou a relação da ministra com o Palácio do Planalto foi a demora na concessão de licenças ambientais para obras do porte do complexo hidrelétrico do rio Madeira. Lula demonstrou publicamente irritação com os "bagres" do Madeira que impediam o licenciamento para as usinas, consideradas vitais para livrar o país de um apagão na próxima década. Ainda no primeiro mandato, chegou a circular no Planalto uma planilha que calculava na casa das dezenas de bilhões as obras paralisadas em razão de exigências do Ibama ou até da simples falta de deliberação do instituto sobre os projetos.

Marina travou várias guerras, perdeu a maioria, mas, símbolo internacional, foi ficando. Chegou a cunhar uma frase: "Perco a cabeça mas não perco o juízo". Já no primeiro ano de mandato, Lula editou medidas provisórias permitindo a plantação de soja transgênica, política que sofria forte oposição da ministra.. O lançamento anteontem da política industrial ocorreu sem menções importantes à questão ambiental. Marina também se opôs à legalização da pesquisa com células-tronco: foi novamente derrotada. Gradualmente, a ministra modulou suas críticas à política de biocombustíveis, mas na semana passada voltou a ser surpreendida por uma decisão em sua área da qual não tinha conhecimento: em depoimento no Congresso, Dilma Rousseff anunciou a volta da usina de Belo Monte (PA) ao plano de metas do governo.

O aborrecimento de Marina com o tratamento recebido do Planalto cresceu no início do segundo mandato de Lula. Dilma trabalhou nos bastidores por sua substituição. Ela só foi confirmada como integrante da nova equipe quando Lula convidou seus auxiliares para a foto oficial do ministério.

Em uma demonstração de que o episódio não o fará abrir mão das atribuições dadas pelo presidente, Mangabeira embarcou ontem à noite para Belém, onde terá encontro com a governadora Ana Júlia Carepa sobre o plano da Amazônia. Em Manaus, ele se reunirá com o governador Eduardo Braga, também hoje.

Por meio de seus assessores, Mangabeira disse lamentar a saída da ministra e negou divergências com ela. "Nada abalará o compromisso do governo Lula e do Brasil com a causa do desenvolvimento sustentável da Amazônia, que se confunde com o próprio engrandecimento do país. Jamais tive qualquer divergência com a ministra Marina Silva."